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Ser mãe e empresária no Brasil, um desafio enriquecedor

Atualizado: 27 de jan. de 2023


Quatro brasileiras contam ao LABS como os desafios da maternidade as transformaram como mães e empreendedoras

Quando descobriu que estava grávida em 2014, Dani Junco sentiu que algo muito importante havia mudado em sua vida. “Quando eu engravidei, o Lucas começou a fazer uma revolução dentro de mim. Ele me questionava sobre o motivo pelo qual eu trabalhava e qual era o meu propósito, uma palavra que não existia no meu vocabulário antes da maternidade”, conta.

Dani Junco, fundadora da B2Mamy Aceleradora e mãe do Lucas. Foto: Arquivo pessoal

 

Dani estava se sentindo sozinha, em dúvida sobre qual caminho seguir. Até então, ela havia trabalhado com marketing voltado para a área farmacêutica. “Eu era workaholic e achava que a vida era isso: você empreende, vende, alguém compra e você ganha dinheiro”. Até que, durante a gravidez, ela se viu imersa em um emaranhado de sensações que a instigou a procurar mulheres que estivessem na mesma situação.

“Fiquei muito confusa, muito perdida com esses sentimentos, eu não tinha amigas grávidas ao meu redor e, então, fiz uma publicação no Facebook dizendo que estava doendo demais pensar em como vai ser a minha vida depois da maternidade. Eu perguntei: está doendo em mais alguém? Vamos tomar um café para conversar? Eu esperava cinco pessoas e vieram 80”, conta.

A partir desse momento, Dani já não tinha mais dúvidas de que as dúvidas e inquietações que ela tinha eram muito comuns entre as mulheres no período pós-maternidade. A empresária começou a procurar dados sobre a realidade das mães no mercado de trabalho e identificou que 48% delas deixam o emprego antes da criança completar um ano de idade e que 75% das mulheres empresárias iniciaram o empreendimento depois da chegada dos filhos.

Dani se identificou nas dores das mães que se reuniram com ela para compartilharem suas experiências. “Eu percebia duas dores muito latentes: uma era a solidão – tanto para empreender como para a maternidade –, e a outra era o medo de como dar os próximos passos. Por onde eu começo? Por onde eu volto?”, conta.

Dani Junco, fundadora da B2Mamy Aceleradora, e seu filho, Lucas. Foto: Arquivo pessoal

 

"O LUCAS FOI A MOTIVAÇÃO DE TUDO. EU QUIS DEIXAR UM LEGADO PARA ELE, UM MUNDO MELHOR PARA ELE"

DANI JUNCO, FUNDADORA DA B2MAMY ACELERADORA E MÃE DO LUCAS

Foi então que Dani decidiu fundar a B2Mamy, uma aceleradora de projetos que conecta mães empreendedoras e as auxilia no desenvolvimento de projetos ligados à inovação e à nova economia. De 2016 para cá, as trilhas e as iniciativas desenvolvidas pela B2Mamy já ajudaram mais de 7.000 mamães empresárias. O programa B2Mamy Start facilitou a abertura de mais de 700 empresas e o B2Mamy Pulse acelerou os negócios de mais de 170 empreendedoras.

“As mulheres chegavam com várias habilidades para conseguir competir na nova economia. A gente nasceu para para conectá-las nesse novo lugar para que, através da educação focada para esse novo olhar, elas conseguissem ser livres economicamente para tomarem decisões conscientes, quer seja sobre a sua família, quer seja sobre a sua empresa”, conta.

"A B2MAMY NASCEU DESSA VONTADE GENUÍNA DE CONECTAR MÃES QUE QUEIRAM EMPREENDER NO ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA"

DANI JUNCO, FUNDADORA DA B2MAMY ACELERADORA E MÃE DO LUCAS

Dani conta que a trajetória das mães que chegam à B2Mamy vai das dúvidas e das incertezas no início da jornada empreendedora até a autoconfiança e segurança quando o negócio se consolida. “Ela se sente mais bonita, mais segura, mais em rede, mais preparada. A gente percebe isso na fala delas, tanto que a gente abriu a Casa B2Mamy, que é o nosso espaço físico, de tanto elas pedirem um lugar ao qual pudessem ir e se manterem conectadas umas às outras. É uma nova rede de apoio, é uma nova comunidade”.

Se há números que indicam os desafios que as mães enfrentam no mercado de trabalho, outros índices mostram que elas têm cada vez mais protagonismo no mundo dos negócios. De acordo com o Sebrae, entidade que apoia pequenos e médios empreendimentos no país, o número de mulheres empreendedoras triplicou de 2005 a 2017, passando de 6,9 milhões para 24 milhões. A quantidade é ligeiramente menor que a de empreendimentos liderados por homens – 25 milhões.

Cada vez mais as brasileiras estão apostando no negócio próprio para evitar que a jornada de trabalho se sobreponha e sufoque à de mãe. E essa foi a opção das empresárias Daniela Cor, Lina Brochmann e Vanessa Skilnik.

Empreendimento em família

A rotina de repórter de Economia e Empreendedorismo de uma das maiores revistas brasileiras já não conseguia oferecer a Daniela Cor o prazer profissional que ela desejava. Ela sabia que queria ser empreendedora na área social. Em parceria com o marido e sócio, Michel Flamarion, criou uma agência que conectava projetos sociais a grandes empresas, uma iniciativa que não se mostrou muito rentável com o passar do tempo. Os dois decidiram, então, criar uma marca de vasos e itens para decoração e, tempos depois, outra de milk shakes. Por meio desses empreendimentos, Daniela se conectou a feiras e encontros sobre empreendedorismo.

Até que, andando pelo bairro de Moema, em São Paulo, região onde moravam, os dois perceberam uma lacuna. “O bairro é muito gostoso, as pessoas andam muito na rua, mas a vida cultural dele é totalmente voltada para restaurantes e shoppings. Não tem muita opção de compra em feiras, de empreendedores criativos. Foi aí que a gente decidiu criar a Fair&Sale, que funciona como uma curadoria de criativos”, conta.

Daniela Cor, fundadora da curadoria de criativos Fair&Sale e mãe do Ravi. Foto: Arquivo pessoal

 

O principal projeto da Fair&Sale é uma feira que conecta empreendedores criativos de São Paulo em espaços públicos da cidade. As 37 edições do evento já reuniram mais de 1.500 negócios criativos e 100 mil visitantes. O filho do casal, o pequeno Ravi, chegou ao mundo exatamente no dia de uma das feiras da Fair&Sale, indicando que, a partir de então, o maior desafio de Daniela seria a organização do tempo.

“A maternidade me trouxe muito mais oportunidades no ponto de vista profissional do que desafios. Se eu colocar na balança, ter o Ravi na minha vida me abriu horizontes, mudou minha mentalidade, fez meu olhar focar mais nesse mundo das mães e das empreendedoras. Do ponto de vista do desafio, é realmente o tempo. É entender que os negócios estão crescendo, mas que eu preciso estar com o meu filho. Essa questão de como você ajeita sua rotina e encontra esse equilíbrio é o maior desafio”, conta Daniela.

"TER UM FILHO FAZ PARTE DA CONFIGURAÇÃO DE QUEM NÓS SOMOS. NÃO É ALGO QUE ESTÁ EM SEGUNDO PLANO"

DANIELA COR, FUNDADORA DA FAIR&SALE E MÃE DO RAVI

Daniela Cor, o marido e sócio, Michel Flamarion, e o filho deles, Ravi. Foto: Arquivo pessoal

 

Daniela, Michel e Ravi se aproximaram da B2Mamy para acelerar os projetos da Fair&Sale. Para a empresária, o fato de ser uma aceleradora voltada para mães empreendedoras fez toda a diferença. “Quando você está em um ambiente com mães empreendedoras, que tiram ideias do papel com os mesmos afazeres que os seus na rotina, isso é muito inspirador. Você pensa: dá pra fazer”, conta.

Ela ressalta que ter um espaço amigável para levar o pequeno Ravi contribui para que as funções de mãe e empreendedora não se tornem incompatíveis entre si. “O Ravi vai com a gente em todos os eventos. Ter um filho faz parte da configuração de quem nós somos. Não é algo que está em segundo plano. A gente empreende em família e o fato de termos ele abre mais o nosso olhar para outras oportunidades de negócio voltadas para quem vive realidades semelhantes à nossa”, afirma a empresária.

Por mais que seja desafiadora, a jornada de mãe empreendedora é, para Daniela, uma trajetória de grandes aprendizados pessoais e profissionais. “O filho capacita a gente para ser empreendedor, porque ser empreendedor é realmente servir os outros. O primeiro jeito que você serve as pessoas é servindo o seu filho, apoiando ele para que ele se desenvolva. É um treinamento muito intensivo de servidão e isso é muito importante para quem quer ser empreendedor”.

Conciliação entre negócios e família

Quando engravidou, a empresária, formada em Relações Públicas e pós-graduada em jornalismo digital, gestão e administração de empresas, decidiu trocar o cargo de gestora de comunicação em uma consultoria para criar sua própria empresa. “Foi depois da maternidade que resolvi empreender. O principal desafio que a maternidade me trouxe foi de conseguir conciliar a carreira com a dedicação aos filhos”, conta.

Lina Brochmann, fundadora e sócia do Bora.aí, com os filhos Nir, Ben e Ava. Foto: Arquivo pessoal

 

"O NOTEBOOK É MEU COMPANHEIRO FIEL DAS VIAGENS E NÃO PARO DE TRABALHAR NUNCA"

LINA BROCHMANN, FUNDADORA DA BORA.AÍ E MÃE DO NIR, DO BEN E DA AVA

Ela convidou a administradora Vanessa Skilnik para, juntas, criarem o Bora.aí, um guia que reúne atividades e eventos voltados ao público infantil em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Brasília e Porto Alegre. “A maternidade despertou o meu desejo de buscar novos modelos de trabalho, mas somente quando minha segunda filha fez 4 anos e eu 40 me senti segura para mudar meu caminho. Depois de um período sabático e de muita reflexão, decidi empreender. Foi quando a Lina me convidou para ser sócia no Bora.aí”, diz Vanessa.

Com sete anos em atividade e seis colaboradores fixos, o Bora.aí conquistou uma audiência relevante e, hoje, registra um milhão de pageviews por mês. “Acreditamos que bons momentos na infância marcam nossa vida e a proposta do Bora.aí principal guia de atividades para fazer com a família, é facilitar estes momentos”, destaca Vanessa.

"A MATERNIDADE ME DESAFIOU A REVER VALORES, SAIR DA ZONA DE CONFORTO E APRENDER A EQUILIBRAR MUITOS PRATOS POR VEZ​"

VANESSA SKILNIK, FUNDADORA E SÓCIA DO BORA.AÍ, E MÃE DA JÚLIA E DA KARINA

Na B2Mamy, as empresárias encontraram um espaço promissor para compartilhar experiências e entender como lidar com as escolhas e com os desafios de ser uma mãe empreendedora. “No nosso caso, que temos uma empresa já bastante madura, as dores são um pouco diferentes da maioria das outras empreendedoras do grupo. Mas o contato com elas nos fez ver que há diversos caminhos para o sucesso e que a colaboração é fundamental para crescermos”, aponta Lina.

Vanessa Skilnik, fundadora e sócia do Boraí, e as filhas Júlia e Karina. Foto: Arquivo pessoal

 

Vanessa também destaca a pluralidade dos encontros e a identificação gerada pelo contato com outras mães empreendedoras. “Todas sentem as dores de tornar uma ideia boa viável e estão dispostas a correr riscos, cair, levantar e compartilhar conhecimento”, aponta.

Para Lina, a jornada como mãe empreendedora é, ao mesmo tempo, prazerosa e exigente. “Se por um lado, empreender é uma boa opção para quem quer estar presente no dia-a-dia dos filhos, já que somos donas da nossa própria agenda, por outro é uma dedicação muito maior e mais intensa do que um emprego regular”, conta.

Como dica, Vanessa sugere que as mães que desejam empreender contem com uma reserva financeira para garantir mais estabilidade no início dos negócios e ressalta os benefícios e desafios da jornada como empresária. “Empreender permite mais foco em resultados e controle da própria agenda, mesmo que isto signifique voltar ao computador quando toda a casa está dormindo”.

Um ecossistema amigável às mães

As histórias que o LABS contou nessa matéria são de mães que contribuem diretamente para o protagonismo feminino e materno no empreendedorismo brasileiro nos últimos anos. Os desafios trazidos pela maternidade se transformaram em um importante combustível para as vidas profissionais e pessoais dessas empresárias.

Mas toda mudança traz desafios: para algumas dessas empresárias, há aspectos em que o ecossistema empreendedor precisa melhorar – e que, em alguma medida, já está melhorando – para tornar os ambientes mais amigáveis para mães empreendedoras.

"A PRIMEIRA COISA PARA O ECOSSISTEMA DO EMPREENDEDORISMO SER MAIS AMIGÁVEL COM AS MÃES É ENTENDER QUE AS MÃES TÊM FILHOS"

DANIELA COR, FUNDADORA E SÓCIA DA FAIR&SALE E MÃE DO RAVI

Para Dani Junco, o debate sobre o papel da mulher no ecossistema empreendedor passa também pela representatividade. “Nós vemos muitos eventos muito legais, mas que só têm homens falando. Precisamos colocar mais mulheres no palco, dar mais espaço de fala”, sugere.

A empresária também ressalta a questão estrutural dos ambientes de negócios, que precisam estar mais adequados às necessidades das mães. “A gente precisa ter um ambiente que realmente acolha a mãe, principalmente a que está na fase da primeira infância. Em alguns lugares, você tem que ajoelhar no banheiro e tirar o leite. Esse é um olhar que a gente tem que inserir no ecossistema do empreendedorismo”, destaca.

Já para Daniela Cor, ambientes mais amigáveis para as mães empreendedoras pressupõem a visão de que a presença da criança é algo engrandecedor, e nunca um prejuízo.

“É necessário que as pessoas estejam conscientes de que os nossos filhos vão frequentar os ambientes e incentivar que as crianças possam frequentar esses ambientes. A criança enriquece o ambiente e tem outro modo de se comportar. A primeira coisa para o ecossistema do empreendedorismo ser mais amigável com as mães é entender que as mães têm filhos. E não ver isso como uma fraqueza. Nunca o teu filho é um ponto fraco. Na verdade, é um ponto alto”, diz Daniela.

 

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